A estratégia digital do Government Digital Services1 (GDS) do Reino Unido teve como um dos documentos inspiradores um estudo de 2010, batizado de Directgov Strategic Review2, que continha recomendações feitas a partir da análise do Directgov, experiência anterior de um site unificado do governo. O estudo diagnosticava que o governo precisava evoluir para uma cultura de serviços, já que, de maneira geral, o então site do governo servia apenas para consulta de informações e poucos serviços eram de fato executados online. O estudo indicava que, com a evolução da Internet, dos dispositivos móveis e da proliferação de serviços digitais, o governo precisava também oferecer serviços por estes meios.
Dentre as recomendações propostas, estava a construção de serviços focados nas necessidades dos cidadãos, e não dos departamentos de governo; o fomento à uma rede de distribuição de serviços para além do governo, por meio de APIs que permitissem que terceiros construíssem serviços a partir da infraestrutura tecnológica do governo; e, por último, uma recomendação para ser ágil e reduzir drasticamente o tamanho organização central do governo digital3.
Sobre este último ponto, o governo inglês tinha, ao menos, uma experiência bastante traumatizante.
De acordo com o Cabinet Office4, os projetos de TI levados a cabo pelo governo no passado eram muito grandes, muito dependentes de grande vendedores e limitados por contratos de longo prazo, que tinham sido negociados quando a Internet ainda era nova e pouco difundida. Como resultado, eles tinham problemas de usabilidade e eram demasiado caros. Maude se lembra de uma ocasião em que o preço para mudar uma palavra em um site do governo chegou a custar £15,0005 (tradução nossa).
Tido como um dos maiores projetos de TI que um governo já executou, em 2002, o governo britânico lançou o Programa Nacional para TI (National Program for IT, abreviado NpfIT), que prometia revolucionar o sistema nacional de saúde (National Health System, NHS) por meio de sistemas integrados de registros de pacientes, agendamentos, arquivamento de exames e outras funcionalidades. Depois de quase uma década, o programa gastou mais de 12 bilhões de libras e não entregou nem um terço dos benefícios prometidos, em especial sua principal bandeira, o registro unificado dos pacientes (CAMPION-AWWAD, 2014).
Em um estudo de caso que analisou as causas do fracasso do programa, Oliver Campion-Awwad et al (2014) observou como a construção de um grande projeto centralizador não conseguiu lidar com a diversidade de culturas e de interesses das partes interessadas (pacientes, clínicas, médicos) e nem com questões delicadas, como a confidencialidade das informações. Ele listou alguma das principais razões pelo insucesso, das quais podemos destacar:
Urgência: O desejo de se colocar o sistema no ar com urgência resultou em um cronograma irreal, na falta de tempo para dialogar com as partes interessadas e falhas ao testar os sistemas.
Projeto: Houve falha em reconhecer que, quanto mais demorados os projetos, maior a probabilidade de se tornarem ultrapassados por novas tecnologias.
Cultura e habilidades: Houve ausência de liderança no projeto, que se justifica também pela dimensão do mesmo, inviabilizando que uma pessoa tivesse o olhar global sobre o desenvolvimento; Fornecedores de TI dependentes de contratos subestimados e cobrando caro para variações decorrentes de requisitos pouco especificados.
Privacidade: Houve ausência de preocupação com questões sobre privacidade e de diálogo com atores preocupados com este tema. (CAMPION-AWWAD, 2014)
Como resposta a estas experiências fracassadas, e seguindo as recomendações do Directgov Strategic Review, o governo lançou uma série de medidas para transformar radicalmente a sua presença nos meios digitais. Apresentaremos este processo, batizado de transformação digital, na seção a seguir.
1Government Digital Service. Disponível em<https://gds.blog.gov.uk/>. Acessado em 18/10/2015.
2Directgov Strategic Review. Disponível em <https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/60995/Directgov_20Executive_20Sum_20FINAL.pdf>. Acessado em 18/10/2015.
3Ibdem.
4Departamento do governo birtânico ligado diretamente ao gabinete do primeiro ministro e responsável por dar suporte a este.
5Tech Week Europe. Disponível em <http://www.techweekeurope.co.uk/workspace/ft-innovate-2012-maude-launches-government-digital-strategy-98411#IYyxXPWJxB1YpszO.99>. Acessado em 18/10/2015.
ÍNDICE
- INTRODUÇÃO
- 1. ESCOPO DA PESQUISA E CONCEITOS BÁSICOS
- 2. MELHORES PRÁTICAS PARA DESENVOLVIMENTO DE SERVIÇOS DIGITAIS
- 3. DESENVOLVENDO SERVIÇOS DIGITAIS NO GOVERNO BRASILEIRO
- 4. ANÁLISE DE CASOS
- 5. DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE SERVIÇOS DIGITAIS NO GOVERNO FEDERAL BRASILEIRO
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- GLOSSÁRIO
- ANEXO A – Entrevista com Diego Aguilera
- ANEXO B – Entrevista com equipe Thoughtworks
- ANEXO C – Entrevista com Gustavo Gama Torres
- ANEXO D – Entrevista com equipe do MPOG (Portal de Serviços)
- ANEXO E – Entrevista com Gustavo Maultasch
- ANEXO F – Entrevista com equipe da STI (IN04)
- ANEXO G – Entrevista com Wagner Silva de Araujo (STI)