Alerta: O p2p está morrendo?

Há alguns anos atrás havia um entusiasmo muito grande com o p2p e suas possibilidades. O compartilhamento de arquivos na internet, via p2p, parecia algo imbatível. A sensação de que toda a produção cultural da humanidade estaria para sempre acessível a um clique e hospedada em computadores de anônimos espalhados pelo mundo era muito grande. As tentativas da indústria do entretenimento de acabar com a festa eram motivo de piada.

Há pouco menos de 10 anos atrás, tínhamos a expectativa que mudanças rápidas e radicais estavam prestes a acontecer: a anunciada morte das gravadoras, a proliferação de artistas independentes (de todas as áreas), a multiplicação de modelos que garantissem uma fonte de renda gerada a partir da interação direta entre público e criador, etc. Hoje compreendemos que essas mudanças são muito mais lentas e progressivas do que esperávamos – e o motivo dessa lentidão não é apenas resistência dos que dependem em manter o antigo sistema de pé (leia-se gravadoras, editoras, etc), mas também da resistência dos próprios criadores e do público. Ninguém sabe muito bem pra onde ir…

O p2p representava a maior parte de todos os dados que navegavam na rede, mas hoje vem perdendo espaço para a web, com cada vez mais vídeos e sites de downloads de arquivos. Veja estudos de 2006 a 2009 e os dados atuais no Internet Observatory. Ou seja, hoje, quando as pessoas buscam aquela música ou aquele filme que querem ver, acabam recorrendo ao You Tube ou a um blog com um link para um site de downloads…

Mas por que o p2p estaria morrendo?

O que mais me impressiona é que o principal motivo para o declínio do compartilhamento de arquivos é o mau uso, e não a perseguição da indústria e governos querendo proteger direitos autorais. Separei aqui alguns dos motivos que eu vejo como centrais:

  • O Bit Torrent transferiu a busca por arquivos para a web, para o navegador. E a experiência de buscar o que você quer se aproximou a experiência de buscar qualquer coisa no Google. Os softwares de bit torrent ficaram associados a “programas para fazer download”, e não mais como softwares de compartilhamento. Para muita gente, ‘esse tal de torrent’ é só algum jeito diferente de fazer um download.
  • Por associar o torrent com uma ferramenta de download, é de se esperar que as pessoas fechem o programa logo depois de concluir o download, o que quebra o ciclo de compartilhamento.
  • Outra prática que o bit torrent trouxe foi a de compartilhar arquivos empacotados, tipo zip. Nada mais óbvio que, ao baixar um arquivo, a gente descompacte ele e, em seguida, jogue fora o pacote. Pronto, não estamos mais compartilhando o pacote.

Ou seja, o p2p se popularizou sem que as pessoas realmente entendessem o que ele é ou como ele funciona. Ou, se entenderam, não ligaram muito pra isso, pois não vêem nenhuma diferença entre baixar um álbum via p2p ou um site de downloads. O que importa é que ele esteja disponível.

Além disso, surgiram outros serviços que, apesar de não ter nada a ver com o p2p, acabaram o substituindo para muita gente. Me refiro a radios online, como a pandora, grooveshark e outras, onde é possível ouvir muita coisa online (sem precisar baixar) e legalmente. Por último, temos o youTube, que tem papel fundamental nisso já que milhares de pessoas se dão ao trabalho de publicar ali acervos completos de programas de TV, documentários, e, apesar de ser uma plataforma de vídeos, muitas músicas.

mas se tudo continua acessível, qual é o problema?

Bom, primeiro é importante dizer que não está tudo disponível. Nos sites de busca de torrents, como o piratebay é muito fácil achar grandes sucessos e lançamentos, mas muito difícil de se encontrar coisas antigas, mais raras, ou a produção nova independente.

Iniciativas de acervos, como o Som Barato e o Um que Tenha, são louváveis, mas frágeis. O fato de reproduzirem um modelo onde eles são os “provedores de conteúdo”, faz com que seja muito fácil atacá-los e tirá-los do ar  (como já fizeram antes). E como os arquivos são disponibilizados no rapidshare, um serviço de publicação e downloads, é muito comum encontrar links quebrados para álbuns que foram removidos por denúncias de violação de direitos autorais. Nos casos em que são disponibilizados em torrent, há muitos que não há nenhuma pessoa conectada compartilhando o arquivo – o que impossibilita o download.

O fechamento do MegaUpload recentemente escancarou essa fragilidade.

das pontas para a nuvem

Hoje em dia se fala muito em “nuvem”. E cria-se um imaginário de que subir um arquivo para a nuvem é dissolvê-lo por toda a internet e tê-lo disponível para sempre, de qualquer parte do planeta e a qualquer hora. Não é bem assim. Não é nada assim. Essas “nuvens” que falam tanto não são nada além de grandes Data Centers, com milhares de computadores. Esses centros pertencem a empresas e são muito caros de se manter. Colocar nossa memória nessas máquinas é colocar todo nossa produção nas mãos de poucas empresas e torcer para que elas se mantenham saudáveis (para que não quebrem e apaguem tudo o que é nosso) e com boas intenções (para que não façam mal uso das nossas coisas).

Sobre isso vale a pena ver essa pequena fala do Sergio Amadeu:

o mundo ideal: uma nuvem de pontos

Estamos apontando para um mundo onde usamos de maneira mais inteligente nossos recursos. É preciso economizar água, achar fontes limpas de energia, etc. Boa parte para a solução de todos esses problemas está na descentralização. Dissolver os grandes centros urbandos, as grandes indústrias, as grandes fazendas é um desafio para o próximo século que passa por alternativas de geração de energia, produção de alimentos, produção de “coisas em geral”, cuidado com o lixo e o esgoto – tudo de maneira descentralizada. (Não achem que estou alucinando, placas de energia solar e impressoras 3D são só o começo).

No que diz respeito ao armazenamento da nossa memória, já poderíamos começar direito. Ao invés de termos integrados ao nosso sistema operacional algo que sincroniza nossos dados com algum servidor de uma empresa poderíamos ter nossa memória armazenada em milhares de computadores espalhados pelo mundo. Poderíamos todos compartilhar os recursos ociosos de nossos dispositivos (computadores, celulares, geladeiras) e ter nossa memória dissolvida por todo mundo, acessível apenas para quem nós quiséssemos. Isso sim seria uma nuvem.

Isso já é possível, mas ninguém ainda fez direito.

Alerta: O p2p está morrendo?

Um comentário sobre “Alerta: O p2p está morrendo?

  1. Nossa memória já é digital. Nossos mapas já são eletrônicos. Socializar já é pela rede. Nosso comportamento básico está se tornando refém da tecnologia (ou da falta de pensar devidamente a problematização do seu uso inconsequente).

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